Uma investigação minuciosa do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC) revelou um esquema de fraude no programa “Universidade Gratuita” e no Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior Catarinense (Fumdesc), que pode ter gerado um prejuízo de quase R$ 324 milhões aos cofres públicos. Dentre os beneficiários, foram identificados 858 alunos com patrimônio declarado de R$ 1 milhão ou mais, incluindo bens de luxo como carros importados, embarcações e imóveis de alto valor.
A apuração do TCE-SC, cujos dados se referem ao segundo semestre de 2023 e ao ano de 2024, identificou 18.283 inscrições com indícios de irregularidades. O programa, destinado a estudantes em vulnerabilidade econômica ou que não conseguem arcar com os custos do ensino superior, teve seus critérios de elegibilidade aparentemente burlados por um número expressivo de indivíduos.
Patrimônio de Milhões e Bolsas Integrais
O relatório do TCE-SC detalha casos surpreendentes de beneficiários que, apesar de desfrutarem de um estilo de vida luxuoso, obtiveram bolsas integrais. Entre os bens identificados em nome desses estudantes, ou de seus grupos familiares, estão veículos como Land Rover Defender (R$ 733.488,00), Porsche 911 Carrera 4S (R$ 603.556,00) e até mesmo um Caminhão Scania R/500 6X2T (R$ 658.918,00). Embarcações como lanchas (com valores de R$ 202.000,00 e R$ 155.000,00) e motos aquáticas (R$ 132.000,00) também foram encontradas.
Além disso, a investigação apontou que alguns alunos possuíam casas e apartamentos de luxo, grandes terrenos e salas comerciais avaliadas entre R$ 13 milhões e R$ 15,2 milhões. Em um dos casos mais gritantes, um universitário era sócio de uma e

mpresa com capital social superior a R$ 21 milhões, enquanto recebia auxílio para custear seus estudos.
Tipos de Fraudes Identificadas
O TCE-SC apontou ao menos três tipos de fraudes:
- Omissão de informações de bens familiares: 15.281 pessoas não declararam a totalidade de seus bens.
- Incompatibilidade de renda: 4.430 alunos apresentaram indícios de que declararam valores de renda inferiores aos reais.
- Omissão de vínculo empregatício: Quase 1.699 beneficiários teriam deixado de informar que possuíam emprego.
A gravidade dos indícios levou a Polícia Civil de Santa Catarina, por meio da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic), a iniciar uma apuração. O delegado-geral Ulisses Gabriel afirmou que será verificado se há “erros ou crimes de fraude e obtenção de vantagens indevidas”, com verificação in loco das situações.
Consultorias e Universidades na Mira da Polícia
A investigação sugere que consultorias podem estar auxiliando os candidatos a fraudar os programas, orientando-os a omitir informações cruciais. Além disso, a suspeita recai também sobre as universidades, com indícios de que funcionários dentro das instituições de ensino poderiam estar agindo com negligência ou conivência na admissão de alunos sem o perfil exigido pelo programa.
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE), a Controladoria-Geral do Estado (CGE) e o Ministério Público (MP) também atuarão no caso. A Receita Federal será informada sobre as irregularidades para as devidas providências fiscais.
Resposta do Governo Catarinense e Próximos Passos
A Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED) informou que solicitou ao TCE um relatório detalhado das inconsistências. A pasta garantiu que, caso as irregularidades sejam confirmadas, os benefícios serão suspensos, e o ressarcimento dos valores recebidos indevidamente será solicitado, conforme previsto em lei. A SED também destacou que implementou melhorias no sistema para o segundo semestre de 2025, antecipando a publicação dos editais de seleção.
O programa “Universidade Gratuita”, sancionado em 2023 e uma promessa de campanha do governador Jorginho Mello (PL), visa promover a inclusão social no ensino superior catarinense, abrangendo 59 instituições. A elegibilidade para as bolsas é baseada em um Índice de Carência, que considera renda per capita, patrimônio familiar, desemprego e dificuldades como despesas com tratamentos de doenças crônicas.
Especialistas em educação, como Claudia Costin, ex-diretora global de Educação do Banco Mundial, ressaltam a importância da fiscalização rigorosa em programas sociais. Ela enfatiza que, embora o acesso ao ensino superior deva ser ampliado, a gestão precisa ser cautelosa e os responsáveis pelas fraudes devem ser responsabilizados.
A expectativa é que as investigações aprofundem-se para desvendar a extensão das fraudes e garantir que os recursos públicos sejam destinados, de fato, àqueles que realmente necessitam do apoio para cursar o ensino superior em Santa Catarina.