Uma música cantada por Jair Rodrigues, e de autoria de Beto Scala e São Beto, tem o seguinte refrão: "Depois do carnaval eu vou tomar juízo/Há muito que eu preciso me regenerar/Largar mão da viola, procurar batente/Preciso urgentemente me estabilizar..."
Pois é, no Brasil há uma cultura que para muitas situações e decisões, o novo ano só começa depois do Carnaval, a maior festa popular do país.
No blog psicologiaviva.com.br, encontramos que, o Carnaval representa para muitas pessoas a oportunidade de se despir das inibições, cobranças, pressões e convenções cotidianas, assumindo uma personalidade diferente, mais liberta, entregue ao momento e sem muita preocupação com culpa ou fatores morais. Fala que Freud traz os conceitos de ID, Ego e Superego, onde o primeiro representa os impulsos e desejos; o segundo representa a racionalidade e o terceiro a moralidade, ética e convenções sociais. Despir-se de inibições e pressões representa o momento onde o ID sobressai os demais e assume o controle da personalidade do indivíduo. O Carnaval é o momento onde os foliões cedem aos seus impulsos e, em alguns casos, literalmente, mascaram suas identidades cotidianas em busca do êxtase e da experiência catártica de viver um mundo sem amarras sociais. A grande questão sobre o carnaval é: por que vivemos uma realidade tão diferente da nossa? Por que existe a necessidade de um feriado que nos permita viver o que a vida cotidiana não permite? Como desfrutar de uma realidade que acomode nosso ID, ego e superego?
Mas, todos os anos o Carnaval por mais que algumas cidades o estique além da quarta-feira de cinzas, ele acaba, e especialistas da psicologia detectam, pessoas com "depressão pós Carnaval".
De acordo com a psicóloga e coach Maíra Mendes, a ocasião funciona como uma válvula de escape para fugir da realidade. “A pessoa se entrega à festa e dias depois precisa encarar a realidade. Fica uma sensação de vazio, uma melancolia, o que é normal depois de tantos excessos”, explica. Maíra aconselha aos foliões mais tristes com a despedida do Carnaval que avaliem quais as razões de se sentirem tão mal. “O sentimento de tristeza é normal e faz parte da vida, afinal sempre podem existir problemas ou situações que nos deixam abatidos no nosso cotidiano. Não dá para ser feliz o tempo inteiro”. A psicóloga ressalta que depressão e tristeza não são a mesma coisa. Geralmente a tristeza é passageira, tendo um período curto de duração, e não requer tratamento. Já a depressão é um transtorno que afeta o humor. Dessa forma, a pessoa tem a sensação persistente de tristeza não importa a ocasião. Ela ultrapassa o período de duas semanas, e é acompanhada de uma variedade de sintomas físicos e comportamentais.
Para algumas pessoas os dias de folia significaram a oportunidade de seguir o lema “ninguém é de ninguém”, já que nesta época são comuns as “ficadas” sem compromisso. E agora, como lidar com o vazio pós-Carnaval? Muitos foliões alimentam a vontade de levar as paixões vividas na folia para além da quarta-feira de Cinzas. Para a psicoterapeuta Celia Lima, é importante tomar cuidado com as ilusões dos amores carnavalescos. Segundo ela, as pessoas que cometem excessos de todos os tipos, principalmente os relacionados às bebidas e ao sexo, podem ser vítimas deste sentimento. “No Carnaval, busca-se a sensação de euforia, é momento de transgredir, de liberar as repressões socialmente impostas e deixar o desejo falar mais alto, mas obviamente isso tem um custo. Sendo assim, é normal que a sensação de vazio se instale quando as pessoas voltam à rotina”, afirma Celia. Uma boa alternativa para guardar as boas lembranças dos dias de folia, diz, e não deixar o vazio se instalar é ter consciência de quais são suas fantasias e sonhos, e evitar criar expectativas.
Já a psicóloga Patricia Pires de Matos, coloca alguns questionamentos para que o indivíduo se autoconheça no Carnaval: "Por que no carnaval vivemos uma realidade tão diferente da nossa? Por que existe a necessidade de um feriado que nos permita viver o que a vida cotidiana não permite?.Porque precisamos de um feriado que nos permita extravasar? Como tornar nossas rotinas um hábito saudável, que não nos faça sentir sufocados?". E responde: "Situações estressantes se tornam frequentes, e a busca por escapes emocionais se torna um hábito. Dessa forma a necessidade constante por válvulas de escape representa que há algo errado. É importante avaliar também o teor das atividades que nos proporcionam a sensação de fuga, pois nem todas trazem benefícios. É necessário ponderar que todo excesso é ruim para nossa saúde e, por isso, precisamos aprender a balancear o bom e o ruim, cultivando hábitos que realmente tragam benefícios para todos os aspectos de nossas vidas. O ser humano normalmente espera a passagem de ciclos para realizar mudanças significativas. Por que esperarmos a segunda feira ou o próximo mês para começarmos algo? No Brasil, o ano começa pra valer depois do Carnaval…Não espere o Carnaval acabar para cuidar da sua saúde mental. Aproveite o Carnaval, mas cuide da sua saúde física e mental", recomenda.
A psicóloga Joana Santiago, diz que com a chegada da quarta-feira de cinzas é hora de voltarmos à vida real. Durante o resto do ano os momentos de lazer vividos neste período ficarão guardados na memória dos foliões, que já começam a esperar, ansiosos, pelo próximo ano, para deixarem a fantasia tomar conta. Lembra que do ponto de vista psíquico, o Carnaval tem uma função positiva e nos ajuda a vivenciar outros aspectos psicológicos. Ressalta que segundo a abordagem junguiana, nós possuímos vários polos opostos dentro de nós: amor/ódio, vida/morte, confiança/traição, puerilidade/sabedoria, profano/sagrado, entre outros. Apesar de opostos, um lado precisa do outro para existir. A totalidade do ser só é possível quando reconhecemos esses lados e trabalhamos para uma integração saudável entre eles. Tentar eliminar um polo em detrimento de outro não é benéfico e nos distancia da realização e do bem-estar. Finaliza dizendo que o Carnaval pode ser muito proveitoso. É o momento de relaxarmos e vivenciarmos um lado nosso que não permitimos na maior parte do ano, de se divertir com o inadequado, extravasar a alegria e retornar mais leves para a realidade. Também é tempo de fazer amigos, trabalhar a tolerância, criticar as mazelas do país e praticar a solidariedade.
Para aqueles que acreditam que o ano só começa depois do Carnaval, Feliz 2024.